segunda-feira, 30 de março de 2009

A condessa de Sangue

Parte I

Imersa em sua banheira ela mantinha a mesma feição a tempos. O sorriso de canto revelando prazer e as unhas levemente afiadas arranhando a louça da banheira demonstravam uma estranha excitação. Erzsébet não possuía feições magníficas, mas a sua boca rosada de lábios grossos aparentemente macios e doces formava um belo conjunto com seus olhos arredondados, emoldurados por belos cílios e sobrancelhas arqueadas demasiadamente expressivas. O escarlate do sangue derramado de inúmeras jovens naquela banheira servia como uma perfeita moldura para seu corpo grosseiramente sedutor. Eu observava seu pálido corpo nu sem pudor, imaginava quantos homens e mulheres teriam se perdido naquele colo, quanta poesia suja já teriam feito para ela, quantos quadros teriam tentato expressar inutilmente o brilho daqueles olhos.
Eu ainda era uma criança quando a vi chegar aqui. Uma jovem condessa, talvez tivesse pouco mais que minha idade, recém casada com o conde Nadasdy. Aos treze anos, eu já me preparava para casar com algum camponês e me tornar serva da terra e de meu marido, foi quando criados de Nadasdy chegaram a minha casa pedindo aos meus pais que me deixassem ir com eles para trabalhar no castelo dos Nadasdy, comeria e beberia como qualquer membro da corte e minha família ganharia uma boa recompença por isso, em troca, eu faria companhia a 'pobre condessa' que ficava longos períodos sozinha, solidão essa fruto do trabalho do conde, um militar que tão pouco se importava com a jovem esposa, preferindo assim ficar longe de seu castelo. Histórias a respeito de sua conduta suspeita assustavam algumas camponesas, também convidadas a integrar os servos de Nadasdy, mas eu não me importava. Deixaria a condição de serva da terra e serviria aquele ser excêntrico que tanto me fascinava, Erzsébet Báthory.


(...)

domingo, 22 de março de 2009

Rodoviária de cidade do interior, o lugar perfeito para encontrar figuras excêntricas. Entre um velho usando um chapéu de couro preto coçando seus órgãos genitais incansavelmente enquanto fumava um cigarro barato e uma senhora que limpava o nariz de seu filho com o próprio vestido, estava uma garota usando um jeans rasgado, um all star um tanto velho e uma camiseta branca que deixava transparecer a roupa íntima preta. Ela não sentia asco de seus companheiros de banco, talvez nem tivesse reparado a presença deles, embora o olhar insistente do velho em direção ao seu colo fosse algo nitidamente notável. Estava absorta em seus pensamentos, não sabia se realmente deveria estar ali, talvez devesse deixar que R. fosse embora sem saber o que ela realmente sentia. Sempre negará envolvimentos emocionais, mas saber que ele iria embora lhe garantia uma certa confiança em demonstrar seus sentimentos. Nunca deixará alguém chegar tão perto dela, nunca deixará alguém saber quem era ela, mas com R. foi diferente. Desde o primeiro instante, quando foram apresentados naquela festa, a música parou e as pessoas ao redor sumiram. Sentia-se estúpida e sabia que demonstrar seus sentimentos seria o ato mais estúpido de sua vida. Levantou-se disposta a ir embora, assim, nunca mais veria R., ele nunca saberia de sua fraqueza e logo ela esqueceria toda essa loucura.
E sentado na varanda se encontrava R., com um copo de vinho n'uma mão, cigarro n'outra e os olhos distantes. Ficou nessa imagem congelada logo após a saída de N. da festa. Ficou ensaiando por horas como comentaria sobre a saga do seu repentino e inesperado amor por ela. Ficou horas até que desistiu de decorar, por medo de não soar natural, resolveu que falaria tudo no improviso. Tentou por adivinhar o que ela estaria usando, mas de tudo vinha a sua cabeça, até um longo vestido numa carruagem de abóbora sem um all star de cristal. Pegou a mochila e partiu em direção a rodoviária, ainda decidindo o que seria feito.
N. se arrependeu logo que virou a primeira quadra da rodoviária, ficará ali por mais de horas e agora, faltando poucos minutos para o horário do ônibus que levaria R. para longe dela, desistiria? Voltou para a rodoviária o mais rápido que pode, seus olhos percorriam todos os centímetros daquela rodoviária a procura de R., mas ela não o via. Pensou que talvez ele tivesse desistido, que pensará melhor e teria decidido ficar com ela, que enfim, ele sabia a resposta para a pergunta que ambos se faziam a todo instante 'E agora, o que você vai fazer?'. Precisava saber a resposta, então, foi ao lugar em que imaginava que encontraria R., o lugar onde haviam se conhecido.
R. parou por minutos, logo após ter verificado a estação inteira e não achar N., com o olhar ao nada. Jogado ao banco gélido, pensou o quão tolo foi em pensar que desta vez seria diferente. Mais uma vez se pôs a pensar no olhar profundo de N., aqueles olhos que tanto fitou incansavelmente. Reparou até nas pintas que continha eles. Levantou-se e andou em direção a lixeira, tinha decidido jogar ao esquecimento o poema que tinha feito a ela. Mas ao colocar a mão no bolso, sentiu absolutamente nada. Inconformado, parou e olhou com atenção, mas nada encontrou. Até virou ao avesso, mas de nada saiu a não ser o seu ônibus que acabara de dobrar a esquina. Resolveu voltar à casa do amigo, para esperar o próximo ônibus, achar o poema e fazer dele apenas mais um fato que se foi. Fez de verdade pra si que essa era a sua catarse.
'Fortaleza'*, N. não entendera no princípio o que aquele poema queria dizer, ao ler seu nome do verso um tanto amassado e manchado por algumas gotas de vinho e cinzas de cigarro sentiu uma lágrima percorrer seu rosto. Ele sentia o mesmo, ele também não sabia o que fazer, ele também queria trancar os portões. Gritava o mais alto que podia por R., mas ninguém respondia. Sentou-se no chão, sentia seu orgulho indo embora a cada lágrima e se odiava a cada instante por, talvez, ter chegado tarde demais.
"Vai acabar caindo, moço" disse uma senhora a R., ao olhar virá o cadarço, sujo e desfiado, arrastando no chão. Sentou num banco de praça e amarrou com desdém, pois não queria sujar a mão. Levantou e pôs-se a caminhar em direção do terminal. Tinha decidido que não encontraria N. novamente, não que ela não valesse o esforço e sim por que não queria perder da memória o encanto daquele inusitado fim de semana.
"O mistério não solucionado continua belo e imprevisível. Mas o mistério desmascarado passa a ser apenas mais um fato" repetia isso pra si mesmo. Comprou o bilhete que em seguida foi rabiscado pelo cobrador. Agora estava R., sentado na poltrona numero 28, reclinado em cima de uma senhora que comia salgadinho. Não hesitou nem por um segundo, estava confiante da sua decisão e agora o ônibus começava a pegar velocidade na rodovia, nem havia como voltar atrás! Sentiu-se orgulhoso de si mesmo, pois não olhará pra trás. Apenas reclinou o banco em cima da senhora que comia salgadinho.
"O mistério não solucionado continua belo e imprevisível. Mas o mistério desmascarado passa a ser apenas mais um fato" foi repetindo isso até chegar à sua cidade, mas ao pisar na rua úmida lembrou-se de outra frase que te atormentou até os dias de hoje... "Vai acabar caindo, moço".


*Poema escrito por Marcel Nilo, o personagem de conto, que também é autor do que está em branco.

terça-feira, 17 de março de 2009

Virou purpurina

Clodovil Hernandes
17 de junho de 1937
17 de março de 2009