domingo, 22 de junho de 2008

Para se ler em dia de chuva

Foi em uma daquelas tardes chuvosas, em que não sabemos se corremos ou esperamos tudo passar, que eles se encontraram. Ela caminhava sem rumo, só sabia que não voltaria mais, tinha apenas um destino para seguir. Ele estava atrasado, e sabia bem para onde queria ir. Ambos esperavam que a chuva passasse, mas não sabiam se teriam paciência para isso.
Ele estava ali, em baixo daquela parada, quando ela chegou, vestindo apenas uma calça jeans e uma camiseta branca segurando uma rosa, completamente molhada. Ela abraçou seu próprio corpo tentando manter uma certa temperatura suportável, mas sentia o vento gelado rasgar sua pele. Ele olhou para o lado e sentiu um calor subito tomar conta de si, ela era linda e cada gota d'água presa em ser corpo cintilava, quase o cegando. Ficou a observando durante um tempo, até que percebeu que ela falava com ele.
-O que foi?
-Nada, nada.
Ele tirou seu casaco e enquanto colocava ele nos ombros dela, perguntou:
-Qual teu nome?
-Eu não tenho um nome, eu nem mesmo existo.
-Eu posso toca-la, então tu existes. Acredita em amor à primeira vista?
-Não.
-Eu também não acreditava, até te ver.
-O amor não existe, ele não passa de uma mentira criada por alguém que queria prender outro alguém. Foi uma mentira tão bem contada que até mesmo os que se diziam tão espertos foram pegos. Mas aqueles que sabem toda a verdade não caem nessa armadilha. Já lestes algum poema de Shakespeare dedicado a sua própria mulher? Não, porque ele nunca escreveu para ela. Ele escreveu para muitas mulheres e homens também, mas ele nunca amou, nenhum deles, ele apenas os desejava, e os tinha, porque usava a velha mentira do amor.
-Falas como se nunca tivesses se apaixonado por ninguém.
-A paixão é diferente. Aliás, a paixão sim existe, talvez, se ele existir mesmo, o amor é só o que sobra da paixão, é o resto de tudo o que queimou um dia, talvez o amor seja a necessidade e a paixão o querer, o amor contrói o que a paixão destrói. A paixão é como a chuva, somos avisados de que ela virá, mas olhamos para o nosso próprio céu e acreditamos que sabemos exatamente quando ela vai chegar e que podemos controlar sua chegada, mas não podemos. Então somos pegos desprevenidos, olhamos ao nosso redor e vemos alguns cobertos, achamos que eles são mais espertos que nós por carregarem guarda-chuvas, por terem uma proteção contra a paixão, mas se analisarmos bem, eles também estão molhados, porque não há nada que possa nos proteger totalmente da chuva, da paixão. E quando a chuva cai, e ela sempre cai, corremos procurando proteção, mas aí é tarde, já fomos atingidos.
-Então acreditas que podes ser pega por uma paixão assim como pode ser pega pela chuva?
-Sim, assim como fomos pegos hoje.
Ela o abraçou e o beijou. Por instantes eles só ouviram o barulho da chuva, que parecia música, como para qualquer casal apaixonado, tudo parece música. Ela então se afastou e sorriu dizendo:
-Eu não passarei mais de meia hora perto de ti, mas tu te lembraras para sempre de mim.
-Por que fizeste eu me apaixonar por ti se és para não me amar depois?
-Porque não quero que me ames, quero ser apenas uma paixão tua, nem que eu seja isso apenas por um dia. Quero que teu desejo por mim arda, que te faça feridas e que te faça sofrer, quero ocupar tua mente noite adentro enquanto rola na cama sem conseguir dormir, quero que eu queime em ti e não apague aos poucos. Quero ser eterna, em ti.
Ela largou então o casaco e a rosa sob ele e correu, ela já estava no meio da rua quando ele gritou:
-Me deixe saber ao menos teu nome!
-Tu não precisarás me chamar nunca, eu serei sempre a ferida mais latente em teu peito.
Foi quando a violência do trânsito selvagem fez mais uma de suas vítimas que ele sentiu o que ela quis dizer. Vendo o vermelho do sangue dela se misturar com o cinza do asfalto que ele percebeu que o que mais sangrava no momento, era seu peito. Ele sabia que daqui algumas horas a morte dela, que agora deixará todos ao redor aterrorizados, seria esquecida, a chuva já levava tudo embora e em pouco tempo, não restariam vestígios dela.
Ele caminhou algumas horas até chegar ao seu destino, sua esposa o esperava sentada em frente a casa, ela correu para seus braços e o abraçou como se não o visse a muito tempo. Ele sentiu o perfume dos cabelos de sua mulher, respirou fundo e sussurrou:
-Eu preciso de ti.
Estendendo a mão com a rosa, lhe entregou dizendo:
-Para o amor da minha vida.